terça-feira, 11 de outubro de 2011

A poética do ortónimo

             Fernando Pessoa vivia sobretudo pela inteligência e imaginação, o seu discurso afirma-se a partir da “aprendizagem de não sentir senão literariamente as «cousas»”, isto é, em fingir sentimentos, até mesmo os que verdadeiramente vivenciamos.
Pessoa filtra tudo através da inteligência, abandonando a ideia romântica do poeta confessor que se desnuda aos olhos do leitor. Para o ortónimo tudo é inteligência e todo o texto é produto da imaginação. Na sua poética não deixa de existir verdade , contudo essa verdade e sinceridade é artisticamente trabalhada.


Temáticas fundamentais:

·         Teoria do fingimento




Os poemas “autopsicografia” e “isto” ilustram verdadeiramente a Arte Poética Pessoana, iniciando uma aprendizagem de não sentir, que sobrepõe o conhecimento racional ao afetivo. O poema torna-se, assim uma construção de sentido e não uma construção sentida, porque se baseia na palavra que é a abstracção suprema, nas palavras do próprio pessoa, “uma intelectualização da sensibilidade”.
No poema “Autopsicografia” que define o processo de criação poética pessoana. O sujeito poético parte da asserção / afirmação “o poeta é um figindor”, identificando “poeta” e “fingidor”, transferindo o acto de criar poesia da esfera das emoções reais / vividas para a esfera das emoções fingidas / pensadas. Este fingimento poético é tão extremado que leva o “eu” lírico a “fingir” emoções que realmente “sente” – a poesia resulta assim no fingimento da dor e não da sua vivência.
O poema “isto” dá resposta a perplexidade suscitada pelas reflexões inovadoras presentes em autopsicografia, em que o sujeito poético afirma que não há mentira no processo de criação poética. Deste modo concebe um outro modo de criar poesia, sentir  Com a imaginação” – a emoção é filtrada pela imaginação.

·      A dor de pensar

          A procura constante da racionalidade, por parte do ortónimo, leva,  o poeta a viver uma tragédia intima que o dilacera: o querer sentir de forma racional. Nos poemas “Ela canta, pobre ceifeira,” e “Gato que brincas na rua” podemos verificar esse drama.
           “ Ela canta, pobre ceifeira” caracteriza o drama interior do sujeito poético por oposição á felicidade da ceifeira, tendo em conta as seguintes dualidades: consciência / inconsciência; felicidade / infelicidade; euforia /  disforia; sentir / pensar. O canto da ceifeira desperta no sujeito poético o desejo de permuta com a ceifeira, ânsia de ser inconsciente, mas preservando a consciência de o ser, vontade de intersecção – “ah, poder ser tu, sendo eu!” e desejo de dispersão. O sujeito poético não atinge a felicidade, porque, nele, tudo é pensamento.
           O poema “Gato que brincas na rua” encontra-se analisado numa publicação anterior.



·         A nostalgia de um bem perdido

            No caso da infância Pessoa ortónimo sentia enormes saudades, mas trata-se de uma     saudade e nostalgia imaginada, intelectualmente trabalhada. Para Pessoa saudade é símbolo de pureza, inconsciência, sonho, paraíso perdido.
            No entanto, não podemos deixar de reconhecer que o tom de lamento que perpassa nalguns dos seus poemas resulta do constante confronto com a criança que outrora foi, numa Lisboa sonhada, mas ao mesmo tempo real porque familiar, palco dos seus primeiros cinco anos da sua vida, marcados pela forte relação afetiva com a mãe.
            Insatisfeito com o presente e incapaz de o viver em plenitude, Pessoa refugia-se numa infância, regra geral desprovida de experiencias biográfica e submetida a uma processo de intelectualização.
            Alguns dos seus poemas ,analisados  em aula, que transparecem esse fascínio pela infância são: “O menino da sua mãe” em que o sujeito poético ilustra um soldado morto e abandonado no campo de batalha para exprimir o dramatismo de uma vivencia familiar , e o poema “Não sei, ama, onde era,” em que o sujeito poético evoca o universo simbólico dos contos infantis, dos reis e das princesas para, a partir dele, expressar a saudade de um tempo de felicidade. São referidos o tempo e o espaço simbolicamente “Sei que era primavera / E o jardim do rei…” e os lamentos presentes no discurso parentético das quatro primeiras estrofes, reveladores da dor de crescer e pensar – “(Filha, os sonhos são dores…)” – e da inevitabilidade da morte – 2(Filha, o resto é morrer…)”. Também esta presente a dor de pensar – “ Penso e fico a chorar…”




·         Sonho/ realidade (a fragmentação do eu / o tédio existencial)


            Insatisfeito com o presente e incapaz de o viver em plenitude, porque a fragmentação se instalou, Pessoa anseia por vivências, estados de ilusão, sonho que possibilitem “ coisas impossíveis”. O desejo de viajar, de ser o que não é, reflete a sua insatisfação permanente. Mesmo aquilo que está próximo é sentido como longínquo.           Em aula analisamos em aula  um poema no que respeita a esta temática. No poema analisado “tudo o que faço ou medito” o sujeito poético confessa a frustação resultante da dualidade “querer” / “fazer”, o sentimento de náusea diante do que realiza, a contradição, o conflito interior entre a alma e o ser e por fim confessa a impossibilidade de concretizar os seus anseios.



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